Há cerca de dois anos, o propósito do capitalismo mundial pivotou e trouxe uma nova perspectiva pela fala de CEOs de grandes empresas americanas. Assim começou o fortalecendo o chamado “capitalismo de stakeholders”.
Mas é claro que isso não nasceu há dois anos. Esse tema vem sendo trabalhado desde a década de 1970 em encontros internacionais realizados pela ONU e outros organismos comprometidos com a discussão em torno do alinhamento entre o desenvolvimento sustentável e o crescimento econômico.
O distante início do movimento ESG
Um dos primeiros destaques ao tema se deu na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972. O encontrou estabeleceu a “Declaração de Estocolmo”, que propôs princípios para discussões em diversas áreas. Entre as temáticas estavam questões ambientais internacionais, direitos humanos, gestão de recursos naturais, entre outros.
A imagem abaixo apresenta um breve panorama dos debates sobre governança global (CNUMAH – Estocolmo 1972):
Fonte: Imagem adaptada a partir de artigo de pós-doutorado da autora
A figura nos mostra que já percorremos um longo percurso de inserção da agenda em âmbito global e de inclusão das diversas partes interessadas. Governos, instituições não governamentais e instituições privadas se uniram nas últimas décadas para se debruçar no dilema evidente que a agenda traz: criar uma forma de, ao mesmo tempo, crescer economicamente e garantir que as futuras gerações possam aproveitar os recursos naturais do planeta.
O percurso não foi fácil. Por vezes, sensibilizou o mercado financeiro, mas não era suficiente para colocar a pauta com potência o bastante para torná-la uma realidade global.
Avanços claros e recentes: Acordo de Paris e Agenda 2030
Por muito tempo, as conferências realizadas e os documentos publicados consolidaram essa pauta e trouxeram novos parceiros. No entanto, ela se fortaleceu nos últimos anos com o Acordo de Paris, ou COP 21. O tratado mundial tem como foco diminuir o aquecimento global contando com o compromisso de 195 países signatários.
Ele traz o desafio de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e limitar o aumento médio da temperatura global em 2º C. Isso, em comparação a períodos pré-industriais.
A Agenda 2030, criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), é outro marco. Ela traz os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma extensão dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, apresentados pela ONU em 2000.
Os ODS são resultado da Cúpula Rio+20 (2012), que preparou o projeto da Agenda. Eles trazem 16 objetivos temáticos e um de implementação dos demais, além de metas e indicadores para que possam ser praticados e monitorados.
Assim, vemos que a agenda ESG não nasceu ontem. Ela é fruto de um caminho longo, que vai da sensibilização para o tema até grandes frameworks, como a Agenda 2030. Os ODS seguem abaixo:
Fonte: Palestra ESG aplicada por Ana Paula Arbache para a Global Alumni, no Programa de Liderança na Inovação do MIT Professional Education On Line, em fevereiro de 2021.
A chegada da agenda ao ambiente financeiro
Em 2004, observamos a chegada dessa agenda ao mercado financeiro, na publicação “Who cares wins” (“Quem se importa vence”, em Português) do Pacto Global. Nela, Koff Annan, então secretário-geral da ONU, lançou uma provocação a 50 CEOS de grandes instituições financeiras sobre como integrar as questões sociais, ambientais e de governança ao mercado de capitais. Em termos atuais: como integrar as premissas ESG ao mercado financeiro. Essa provocação promoveu a criação do PRI (Princípios para os Investimentos Responsáveis), realizado sob a iniciativa da ONU.
Podemos ver este momento como um ponto-chave de aceleração da Agenda 2030 no mercado financeiro. Desde então, muita coisa mudou. A sociedade e os consumidores já estão mais engajados ao tema da sustentabilidade e veem o planeta sofrer com os impactos das mudanças climáticas. Os consumidores estão alertas às reputações das organizações, devido a sucessivos escândalos de corrupção e desastres ambientais.
Todos esses fatores e conjuntos de variáveis já começam a impactar as tomadas de decisão de investidores e elevar as análises de risco de investimento.
Não por acaso, na 21ª Conferência das Partes (COP 21), realizada em dezembro de 2015, sobre Mudança do Clima (UNFCCC), vimos mais avanços. Ali, a Agenda 2030 entrou na pauta para vigorar a partir de 2020.
Cerca de 5 mil bancos e empresas estiveram presentes para compreender a Agenda e alinhar sua governança às diretrizes. Dessa forma, estariam aptos a “exercer o crescimento econômico inclusivo, sustentável, com padrões de produção e consumo aliados ao uso responsável dos recursos naturais do planeta” (ARBACHE, 2016).
Panorama atual e próximos passos
Em 2021, um evento importante para essa pauta foi a carta de Larry Fink, CEO da BlackRock, aos CEOS de grandes empresas. Podemos compreendê-la como um momento de redefinição e reestruturação do mercado financeiro.
Ao liderar uma grande empresa, que gerencia mais de 6,7 trilhões de dólares em ativos, Fink traz potência para a mudança. A afirmação de que deixará de investir em negócios que não atendam às premissas ESG e removerá investimentos atuais de negócios que não as atendam é forte. Essa postura impulsiona todo o mercado a seguir as diretrizes.
Fonte: Palestra ESG aplicada por Ana Paula Arbache para a Global Alumni, no Programa de Liderança na Inovação do MIT Professional Education On Line, em fevereiro de 2021.
Vemos então um crescimento exponencial dos investimentos em ESG, atraindo diversos setores. Organizações públicas e privadas já vêm buscando fazer essa transição para economias mais verdes e de baixo carbono. Esse movimento ágil e acelerado para responder às demandas do mercado já foi confirmado pela OCDE (BOOF. R & PALANO, 2020).
Alguns dilemas ainda estão presentes neste caminho. Um deles é a definição de classificações e métricas capazes de gerar materialidade às práticas, bem como confiabilidade aos resultados. O fato é que já passam de US$ 17,5 trilhões globalmente investidos, com previsões de muito mais nos próximos anos.
Observamos uma multiplicação de fundos ESG por todo mundo. Isso nos permite projetar um novo modelo de investimento, alinhado ao desenvolvimento sustentável e com visão de longo prazo. É, sem dúvidas, um marco decisivo para o mercado de capitais e para toda a humanidade.
Essa pivotagem nos dá a capacidade de nos reorganizar como sociedade e como seres humanos aprendendo a equilibrar o binômio proposto em 1972. Desenvolvimento sustentável com crescimento econômico: isso, sim, é uma pivotagem para a vida no planeta!
Post Original: https://arbache.com/blog/esg-a-pivotagem-do-mercado-de-capitais/