Você já se perguntou qual é o propósito do seu trabalho hoje? Pois é, 1,7 milhões de pessoas têm feito essa pergunta e se unido a comunidade r/antiwork (antitrabalho) no Reddit.
Ela foi criada em 2013 e é liderada por Doreen Ford e, nos últimos dois anos, uma vez que em 2020 eram cerca de 100 mil pessoas e, de lá para cá, entram por volta de 20 a 60 mil pessoas por semana.
Não é por acaso que isso acontece. Os gatilhos que impulsionam esse crescimento são a crise econômica, a crise sanitária, a analogia com o período pós 2ª guerra mundial (muito sacrifício e a busca pelo benefício e recompensa), e a grande agenda do reset work que traz a necessidade de qualificação e requalificação da força de trabalho diante das transformações tecnológicas adicionadas no mercado.
Ainda, veremos adicionado a isso, os efeitos da guerra instalada entre Rússia e a Ucrânia, que emerge nos dias de hoje como mais uma variável para o entendimento do modelo de trabalho.
O objetivo do movimento antitrabalho é trazer à tona a problematização do modelo de trabalho atual. Esse movimento tem suas bases no anarquismo e, o filósofo americano Bob Black, trouxe reflexões importantes a partir de sua publicação “A abolição do trabalho” de 1989.
Num primeiro momento, o movimento se mostrou hostil e radical sendo contra a estruturação do trabalho com base no capitalismo e no Estado. No entanto, a comunidade vem trazendo novas narrativas, flexionando o pensamento e, buscando novas formas e modelos capazes de trazer uma evolução para o pensamento. Não tão hostil e nem querendo acabar com o trabalho, os membros contribuem com dicas, sugestões e ações que possam alavancar a pauta e chamar a atenção de empresas e lideranças.
As narrativas do movimento mostram o que está acontecendo nos EUA onde recentemente, mais de 4,5 milhões de pessoas pediram demissão voluntária. No último trimestre de 2021, 480 mil britânicos mudaram de emprego e no Brasil, onde há cerca de 13 milhões de desempregados e um ambiente difícil para recolocação, os números mostram que 400 mil pessoas pediram demissão voluntária mensalmente no período da pandemia como indicam Soares (2022) e Sanches (2022).
É pertinente pensar que esses números também trazem as circunstâncias geradas pela crise sanitária como: empresas que fecharam as portas, pessoas que se demitiram para cuidar de doentes ou crianças dentro de cada, até mesmo postos de trabalhos que deixaram de existir. No entanto, os números são um alerta e apontam como efeito colateral, a alta rotatividade dentro das empresas e trazem preocupações em relação as consequências para o mercado que virão a longo prazo, como aponta o relatório Goldman Sachs ((SANCHES, 2022).
A força de trabalho traz o fardo de períodos muito desafiadores e isso está presente nos fatores presentes nas narrativas daqueles que pedem a demissão voluntariamente, como segue abaixo:
- Abusos de todo modo: trabalho no dia do próprio casamento, no velório da bisavó, advertência por ir ao banheiro 2 vezes em 5 horas, chegar atrasado depois da hemodiálise ou quimioterapia.
- Ambiente insalubre, sem segurança e sem seguro saúde.
- Pressão para não falar a verdade para clientes e trabalhar em situação perturbadora.
- Escravidão do “salário” e degradação da vida pessoal.
- Sobrecarga (faltam colaboradores – vagas abertas). Subemprego.
- Liderança tóxica.
- Os homens são os que mais pedem demissões.
- Mulheres pedem (economia do cuidado)
- Problemas de saúde: burnout, exaustão, depressão, ansiedade.
Há, no movimento antitrabalho uma rejeição visceral ao modelo do trabalho como ele é hoje.
Essa percepção também é compartilhada em outro movimento chamado Resignação. O termo foi usado por Antony Klotz, docente A & M do Texas, e vem ao encontro das pessoas que buscam uma reinicialização ou recomeço em suas carreiras. O movimento também é chamado de “The Big Quit” e o docente aborda que o movimento de grandes demissões está ligado ao entendimento do impacto do trabalho. Para Klotz muitas pessoas, especialmente os jovens com menos de 30 anos, querem dar sentido para suas carreiras e estão muito atentos a sustentabilidade, igualdade, mudanças climáticas. É sobre isso que está se dando esse recomeço.
Imagem 1: Demissões Voluntárias no Brasil
Fonte: (SOARES, 2022)
Imagem 2: Onde os crachás voam?
Fonte: (SOARES, 2022)
Essa reflexão entre o esforço e o benefício é que está sendo abordada pelas pessoas que se vêm insatisfeitas com as ‘regas do jogo no mercado de trabalho”. Aliadas a isso, novas oportunidades estão sendo apresentadas, pois, para aqueles que possuem qualificação e podem atender a demanda do mercado, a recolocação é sempre mais fácil.
Mas vale aprofundar um pouco mais e questionar: Como isso afeta a sua liderança? Como inovar sem a “força de trabalho” necessária? Quais indicativos de mudança isso traz?
Esses movimentos trazem uma grande reflexão para quem está na liderança, principalmente em ambientes inovadores onde a jornada é mais incerta e exige mais engajamento dos liderados, bem como as equipes tendem a ser mais enxutas e, quando se perde um membro, o outro tem que assumir seus pacotes de entregáveis. Há também a questão do ciclo de aprendizagem do novo talento, exigindo um esforço maior do líder e dos demais membros, entre outros fatores.
Um outro ponto de atenção para a liderança está na “concorrência” global por talentos, principalmente em áreas mais demandantes. As empresas em todo o mundo já descobriram que podem contratar talentos em qualquer parte, sem que os mesmos precisem sair de casa, em algumas vezes as condições e salários são tão atrativos que geram escassez de profissionais em alguns setores (principalmente aqueles ligados à tecnologia). Há quatro aspectos que precisam ser considerados para que se possa reter e atrai talentos para sua equipe:
- Remotização: e a possibilidade de seus talentos serem nômades digitais: trabalhar a qualquer hora e qualquer lugar, com horários flexíveis e orientados por entregáveis. Para os líderes é importante ter em mente que as empresas estão abrindo seus processos de recrutamento e seleção em plataformas mundiais, do mesmo modo que o líder pode recrutar talentos fora, as empresas concorrentes podem fazer o mesmo e levar seus talentos!
- A Gig economy ou pejotização: muitos talentos não querem estar sob um crachá, eles querem ser CEOs de si mesmos e, por isso trocam o CLT pelo PJ. O que traduz em mais liberdade, autonomia e oportunidade de escolhas dos projetos que querem trabalhar. Há aqui um ponto importante: a lei da oferta e da procura: profissionais mais capacitados terão mais chances de sucesso sendo profissionais “pejotizados”. Para os líderes, há uma oportunidade de criar uma “carteira fidelizada” de profissionais “on demand”, que irão se acoplar aos projetos da equipe conforme a necessidade. Uma atenção especial terá que ser dada para o alinhamento de valores por meio do compliance da empresa e da divulgação clara do propósito da equipe feita pela liderança.
- A busca pelo propósito: os mais jovens estão buscando alinhamento moral, muitos deles caminham para os chamados Charity Jobs, onde podem alocar seu trabalho e ver claramente o impacto do mesmo em pautas como sustentabilidade, direitos humanos, mudanças climáticas (como vimos acima). Hoje, com as pautas ESG (Governança diversa e transparente, social e ambientalmente responsáveis) e empresas com certificação B (B. Corp), como também as chamadas 2,5 (empresas com impacto), criam novos postos de trabalhos com salários atrativos e em plataformas mundiais. Com isso, não é preciso pagar o chamado “imposto moral” ao trocar um emprego com alto salário em uma grande empresa, por outro em uma empresa como as citadas acima. Aqui, essas pessoas sentem que suas carreiras são gratificantes.
- A busca pelo equilíbrio emocional e pessoal: o fardo do período pandêmico, da crise econômica trouxeram efeitos colaterais danosos para a saúde das pessoas. Para muitos, a troca foi injusta e deixou um rastro de destruição em sua saúde e vida pessoal. Muitos de nós temos amigos que tiveram depressão, burnout, ansiedade e ainda carregam os impactos de tudo em suas vidas. A pressão por resultados, os controles exagerados, as jornadas exaustivas somadas ao medo de morrer, ou a necessidade de cuidar de familiares, sejam doentes ou para educá-los, tudo isso reforçou o sentimento de que era preciso pensar se valeria à pena continuar do jeito que estava.
Os líderes precisam enxergar que os pontos discutidos impactam fortemente retenção e engajamento de sua força de trabalho. É preciso conhecer as demandas que eles trazem, tendo em vista esses novos modelos de trabalho. Algumas ações estão sendo pensadas e podem ajudar as lideranças a seguirem nessa direção, como as que seguem abaixo:
- Pensa em semana de 4 dias
- Adequar novos modelos de trabalho: remotização e flexibilidade
- Ter uma carteira de profissionais no modelo “on demand”: compliance e performance.
- Analisar de risco de reposição e mobilidade de talentos na equipe.
- Criar de ambiente seguro psicologicamente.
- Disseminar claramente o manifesto, ou propósito comum.
- Criar de senso de pertencimento e comunidade
- Liderar de modo inteligente e eficiente a equipe (priorizar, tomar decisões e calibrar energia entre esforço e beneficio)
- Dar protagonismo (diluir poder) e impulsionar carreira gratificante e com impacto.
- Aproximar com ecossistema de empresas inovadoras e de boa governança.
Todas essas ações são pertinentes para que as lideranças que atuam em ambientes inovadores, possam continuar suas jornadas contando com talentos capazes de enfrentar os desafios que a jornada inovadora solicita, entregando não só bons resultados, mas inspirando todos para continuarem seguindo juntos!
Post Original:https://arbache.com/blog/o-movimento-antitrabalho-e-movimento-de-resignacao-e-seus-impactos-na-lideranca-inovadora/